Nosso arrependimento é possível porque Jesus já se doou por nós na cruz. Ele teve suas vestes rasgadas, elas foram sorteadas. Ao invés disso, Ele teve sua carne rasgada por nós. Rasgada por chicotes, por pregos cravados e por uma lança no seu lado. Jesus sofreu o juízo que merecíamos, para que pudéssemos experimentar a restauração. Assim, ao rasgarmos nosso coração, encontramos não condenação, mas a graça transformadora de Deus.
Introdução: Imagine que você recebeu uma carta dizendo que amanhã terá uma audiência no Supremo Tribunal Federal. Você será julgado, e sua vida inteira será exposta, desde os seus maiores feitos até os segredos mais sombrios. Como você se sentiria ao enfrentar essa expectativa?
Como temos visto até aqui, o tema da profecia de Joel é o “Dia do Senhor”. O Dia em que Deus julgará a Terra de forma final e completa. Neste Dia, desejado pela igreja e temido por tantos, a justiça de Deus cobrirá a Terra como as águas cobrem o mar. Domingo passado paramos no v. 11:
11O Senhor levanta a voz diante do seu exército. Porque o seu arraial é enorme, e quem executa as suas ordens é poderoso. Sim, grande e mui terrível é o Dia do Senho! Quem o poderá suportar?
Que pergunta importante, não? De fato, quem poderá suportar o Dia do Senhor? Quem pode suportar o Dia em que Deus irá revelar seu juízo sobre toda a humanidade? Em que os elementos se desfarão em brasas?
O que um pecador e uma comunidade de fé podem fazer em um momento como este? Vemos a resposta em Joel 2:13 – Diante da realidade do Dia do Senhor, Joel nos apresenta a única resposta possível: arrependimento genuíno. Mas o que é arrependimento verdadeiro? Como ele se expressa em nossas vidas?” Veremos que o arrependimento verdadeiro possui três elementos: contrição, confissão e conduta.
I. CONTRIÇÃO O dicionário Michaelis define contrição como: “Arrependimento ou dor profunda por ter pecado e ofendido a Deus, acompanhado pelo firme propósito de não mais pecar.”
12Ainda assim, agora mesmo, diz o Senhor: “Convertam-se a mim de todo o coração; com jejuns, com choro e com pranto.
Veja que há uma urgência: agora mesmo. Deus nos chama agora ao arrependimento. Essa convicção de urgência vem do reconhecimento de quem chama nos chama ao arrependimento é o próprio
Deus. O chamado é à conversão ao próprio Deus: convertam-se a mim.
Deus nos chama a retornar para Ele, não em remorso ou em manipulação, não em fuga das consequências, mas em busca do encontro com Ele mesmo. Convertam-se a mim de todo o coração.
Essa contrição é encontrada num movimento da razão. Ela exige o reconhecimento da loucura do pecado, ela exige parar para pensar sobre a vida, sobre os rumos tomados até aqui, sobre as consequências legítimas esperadas ou não das decisões que tomamos até esse momento.
Para se voltar para Deus de todo o coração é necessário pensar, refletir. Na parábola do filho pródigo, aquele jovem tolo que havia decidido viver sua própria vida, do seu próprio jeito, só reconhece seu estado de miséria quando parou para pensar nas consequências. Lucas 15:16-19:
16Ali, ele desejava alimentar-se das alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada. 17Então, caindo em si, disse: “Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui estou morrendo de fome! 18Vou me arrumar, voltar para o meu pai e lhe dizer: ‘Pai, pequei contra Deus e diante do senhor; 19já não sou digno de ser chamado de seu filho; trate-me como um dos seus trabalhadores.’” 20E, arrumando-se, foi para o seu pai.
Aquele jovem cai em si. Ele reflete, ele percebe as consequências que colhia e decidiu voltar. Há um processo mental que reconhece uma realidade espiritual: O relacionamento com o Pai foi quebrado e precisava ser restaurado. Ezequiel 18:28 afirma que a conversão de ímpios é possível quando:
Pois se ele percebe o que fez e se converte de todas as transgressões que cometeu, certamente viverá; não será morto.
O que é necessário perceber para chegar ao arrependimento verdadeiro? Precisamos pensar na santidade de Deus, na realidade de nossa rebelião contra Ele e sobre a justiça do seu julgamento.
A pregação de Pedro em Pentecostes, em Atos 2:38 dizia:
— Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo
Pedro pregava para uma multidão de judeus chamando-os ao arrependimento e a fé em Jesus. Eles precisavam mudar de opinião sobre Jesus e concordar que eles tinham ordenado a morte do Cordeiro de Deus. Eles precisavam entender que não podiam se salvar cumprindo regras religiosas, que eles precisavam ser perdoados e salvos pela fé em Jesus.
Mas a contrição não se limita ao que pensamos. Ela afeta nossa vontade. Não é suficiente concordar intelectualmente com nossa culpa, com a existência de um Deus criador e santo e com o julgamento futuro e presente que Ele faz do pecado. É necessário também agir, fazer algo a respeito do que se diz crer. Como o filho pródigo, precisamos ter nojo de onde estamos e caminhar para perto do Pai. Precisamos ter nojo dos chiqueiros espirituais que comem das bolotas do Diabo.
Mas a verdadeira contrição, o verdadeiro arrependimento, não move apenas a razão e a vontade. Ela afeta também as emoções.
O salmista Davi afirma assim em Sl. 51:16e 17:
16Pois não te agradas de sacrifícios; do contrário, eu os ofereceria; e não tens prazer em holocaustos. 17Sacrifício agradável a Deus é o espírito quebrantado; coração quebrantado e contrito, não o desprezarás, ó Deus.
Em outras palavras, Deus não está em busca de rituais religiosos, como penitências, confissões vicárias, ofertas numa igreja. Davi estaria disposto a fazer essas coisas de bom grado, mas Davi entendeu que Deus está em busca de espíritos quebrantados e contritos.
O envolvimento emocional é muito mais do que sentir remorso ou tristeza, muito mais do que o lamentar de consequências ruins.
A Bíblia diz que Judas, vendo a condenação de Jesus, foi tocado por remorso quanto ao seu pecado. Ele logo lamentou as consequências da sua decepção com Jesus. Mas não houve contrição genuína, não houve a busca por Deus. Judas buscou alguma autorredenção ao tentar devolver o dinheiro, mas não clamou em arrependimento.
Conforme Mateus 27:3-5:
3Então Judas, que o traiu, vendo que Jesus havia sido condenado, tocado de remorso, devolveu as trinta moedas de prata aos principais sacerdotes e aos anciãos, dizendo: 4— Pequei, traindo sangue inocente. Eles, porém, responderam: — Que nos importa? Isso é com você. 5Então Judas, atirando as moedas de prata para dentro do templo, retirou-se e se enforcou.
O resultado disso foi que Judas exerceu juízo sobre si, colocando-se novamente no lugar de dono de sua história, não de dependência de Deus. Pedro, por outro lado, “chorou amargamente” e deu ampla evidência de genuína contrição e arrependimento.
Mateus 26:75 afirma:
75Então Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe tinha dito: “Antes que o galo cante, você me negará três vezes.” E Pedro, saindo dali, chorou amargamente.
Não é interessante como resistimos ao arrependimento. No filme Velozes e Furiosos: Desafio em Tokio, uma personagem diz: “a vida é simples. É tomar decisões e não se arrepender.” Ou com disse Selena Gomez: “Acredito que tudo acontece por uma razão, por isso não me arrependo de nada.”
Num País como o nosso, em que o “rouba mas faz” é elogiado, políticos negam acusações e se fazem de vítimas. Eles parecem ser incapazes de arrependimento. Nós também somos craques em transferir culpa e criar narrativas para que a culpa seja de outro e não nossa. É problema da tua consciência Judas, não nosso, disseram os sacerdotes.
“Quantas vezes você ignorou os ‘alertas’ de Deus sobre algo errado em sua vida, justificando suas ações em vez de se arrepender? O que tem sido o ‘chiqueiro’ em sua jornada espiritual que você precisa abandonar?”
O chamado ao arrependimento parte de Deus. É necessário responder com confiança nEle. Fé no seu poder de julgar, na sua misericórdia, no seu amor. É necessário concordar com as sentenças de Deus. Nesse sentido, o verdadeiro arrependimento começa com contrição – uma dor sincera pelo pecado. Mas ele não termina aí; ele nos leva à confissão genuína.”
2. Confissão é admitir a própria transgressão e concordar com Deus sobre o fato de termos pecado contra Ele. Confissão é concordar com a sentença de Deus. Se Deus diz que mentir é pecado, então a confissão da mentira começa dizendo: eu menti. Fui mentiroso. O perdão bíblico acontece após a confissão do pecado e o abandono do pecado.
I João 1:9 ensina:
“Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (I João 1:9).
Deixar de confessar é como morrer envenenado lentamente. Não confessar é devastador. Quem mente hoje se prepara para mentir melhor e cauteriza a consciência ao ponto de ficar cego para os alertas de Deus.
Um crente que deixa de confessar tem mais recursos para perceber com clareza as consequências disso. A falta de confissão traz dores em diversos aspectos da vida. A falta de confissão afeta o físico, o emocional, o psicológico e o espiritual.
O Salmo 32:3-5 fala sobre isso:
3Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia. 4Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim, e o meu vigor secou como no calor do verão. 5Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei. Eu disse: “Confessarei ao Senhor as minhas transgressões”; e tu perdoaste a iniquidade do meu pecado.
Imagine uma criança que quebrou um vaso e esconde os pedaços debaixo do tapete. O medo da punição só aumenta o peso no coração dela. Quando ela finalmente confessa, pode haver disciplina, mas também há restauração e alívio. Pais, como vocês se sentem quando seus filhos admitem honestamente que erraram? Não é diferente com Deus. Ele espera que confessemos nossos pecados, não para condenar, mas para restaurar.
O verdadeiro arrependimento envolve confissão. E a confissão permite a reconciliação e a restituição sempre que possível. Quando Zaqueu se arrependeu da sua busca de identidade no dinheiro, ele prometeu dar a metade dos seus bens aos pobres e restituir em quadruplo o que ele tinha extorquido. Confissão sem mudança é incompleta. A verdadeira confissão leva a uma transformação visível – uma nova conduta.
III. CONDUTA. O SENHOR disse ao povo de Israel para se voltar para Ele de todo o coração com jejum, choro e luto (Joel 2:12). Jejum é uma prática espiritual que aponta para depender exclusivamente de Deus. O jejum demonstra dependência de Deus. Choro e luto revelam pesar e tristeza pelo pecado.
Jesus ensina que os bem-aventurados choram sua miséria espiritual. Precisamos lamentar de fato nosso pecado para perceber a doçura do evangelho. É triste ver pessoas indiferentes ao pecado. Nossa sociedade normaliza pecados. Normalizamos mentiras sociais em nome da etiqueta. Quando tratamos pecados com indiferença, pessoas simplesmente deixam de reagir diante da afirmação bíblica que Deus vai julgar a Terra.
Precisamos lamentar os nossos pecados de forma intencional para saborearmos de forma real o perdão. Nossos pequenos grupos e grupos de discipulado precisam aprender a chorar os pecados e não a minimizá-los. Essa semana xinguei no trânsito. Ah, meu irmão, todos pecam. O transito da Avenida do Sol é infernal, não é? Precisamos aprender a lamentar de verdade nossos pecados para que o perdão seja doce e o pecado amargo.
O arrependimento não é apenas individual, mas coletivo. Como igreja, somos chamados a lamentar pecados juntos. Será que temos intercedido uns pelos outros, confessado nossas falhas e clamado pela graça como corpo de Cristo?
“Rasguem o coração e não as suas roupas”. (2:13). No oriente médio era costume rasgar as roupas como expressão de profunda tristeza. Foi isso que Rúben fez ao descobrir que José não estava mais no poço. Jacó rasgou suas vestes quando acreditou na história sobre a morte fictícia de José. Jó se vestiu de trapos para lamentar a sua tristeza.
Em Joel 2:13, Deus diz que não quer roupas rasgadas, mas corações. Em outras palavras, Deus não quer apenas demonstrações externas de arrependimento. Algumas pessoas podem dominar a arte de fingir piedade. Gente criada na igreja tem mais treinamento para fazer carinha de piedade, mas Deus sente o cheiro de arrependimento fajuto e do verdadeiro.
Jesus enfatiza esse ponto bastante no sermão do monte. Jesus nos ordena a resolver impasses com irmãos antes de ofertar, a dar esmolas e não cobrar aplausos, a orar às portas fechadas. Quando há muita ênfase em mostrar piedade, podemos estar diante de um coração frio e enganoso.
Precisamos ter certeza de que nossos corações estão certos com Deus. “Rasguem o coração.” Deus se agrada de arrependimento, de fé e de piedade genuínos.
Deus é “Deus bondoso e compassivo, tardio em irar-se e muda de ideia quanto ao mal que havia anunciado” (2:13). Nas palavras de Feinberg:
“Deus está sempre mais disposto a abençoar do que a derramar sua ira, a perdoar do que a punir, a vencer pelo amor do que a ferir com chicotadas”.
O texto afirma que Deus pode mudar de ideia quanto ao mal que havia anunciado. Primeiro o homem precisa se arrepender e depois Deus pode mudar de ideia quanto ao mal anunciado. Essa ideia de que Deus pode mudar ou se arrepender intriga algumas pessoas. Zc 1:3 diz:
3Portanto, diga-lhes: Assim diz o Senhor dos Exércitos: “Voltem para mim, diz o Senhor dos Exércitos, e eu voltarei para vocês, diz o Senhor dos Exércitos.
Como Deus volta? Como Ele muda de ideia? Ele não é homem para mentir; nem filho do homem para que se arrepender? Confome Nm 23:19?
A Bíblia ensina que a natureza e o caráter de Deus são imutáveis — Deus não muda. “Porque eu sou o SENHOR, não mudo” (Malaquias 3:6); “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente” (Hb 13:8). E ainda assim a Bíblia diz que Deus se arrepende (Joel 2:13b, 14). Este é um termo antropomórfico. Em outras palavras, da perspectiva do homem parece que Deus se arrepende (cf. Jonas 3:4-10). O v.14 introduz uma condicionante:
14Quem sabe se ele não se voltará e mudará de ideia, e, ao passar, deixe uma bênção, para que vocês possam trazer ofertas de cereais e libações ao Senhor, seu Deus?
Deus não é manipulado pelos nossos esforços religiosos. Nossos jejuns, orações e ofertas não movem a mão de Deus. Quem acredita que pode mover o espiritual com a manipulação de coisas cotidianos são pessoas esotéricas. Isso não é cristianismo e Deus abomina tais coisas.
A pergunta correta é quem sabe Deus? Deus é quem determina seu agir. Ele se sente atraído por corações humildes e contritos, mas não podemos exigir nada dEle. Ele é soberano.
Um pastor piedoso estava muito doente e sua igreja orava pela sua recuperação. Perguntaram para ele, já antevendo que ele morreria, por que ele não pedia mais pela sua própria cura. Ele respondeu: é tão bom estar perto de Deus que parece inadequado pedir qualquer outra coisa.
Deus governa. Ele não é governado pelas nossas respostas, mesmo pelas mais sinceras e piedosas. Todo esse universo de confissão positiva, de quarta dimensão espiritual, de declarações proféticas é um misticismo pernicioso que adoece nossa espiritualidade. Fujamos disso. Mas, o trecho seguinte traz mais uma última dimensão do arrependimento.
15Toquem a trombeta em Sião, proclamem um santo jejum, convoquem uma reunião solene. 16Reúnam o povo, santifiquem a congregação, congreguem os anciãos, reúnam as crianças e os que mamam no peito. Que o noivo saia do seu quarto, e a noiva, dos seus aposentos. 17Que os sacerdotes, ministros do Senhor, chorem entre o pórtico e o altar, e orem: “Poupa o teu povo, ó Senhor, e não faças da tua herança um objeto de deboche e de zombaria entre as nações. Por que hão de dizer entre os povos: ‘Onde está o Deus deles?’”
Vivemos num mundo que acentua o individualismo. Eu e Deus apenas. O importante é minha relação com Deus. Se Deus é por mim, quem será contra mim? Porém a igreja de Jesus é uma manifestação espiritual e cultural que luta contra o individualismo ocidental. É necessário um esforço nosso para lembrar que a igreja foi projetada para ser um organismo vivo. É doentio pensar que um pedaço do corpo pode ser saudável sem um corpo.
O povo é chamado a um arrependimento coletivo. Todo o povo. Até quem estava na lua de mel deveria deixar para depois aquele momento inicial da alegria e da expectativa de começarem juntos uma nova família. Anciãos e bebês de colo, todos, com ou sem discernimento, num momento de lamento comunitário, deveriam estar presentes clamando por perdão.
Á frente daquele culto, dirigindo numa função de intermediação deveriam estar os sacerdotes. Na igreja do novo testamento, todos somos sacerdotes reais. Não há vigários na igreja de Jesus.
Mas também é certo que Deus concede dons a igreja e um desses dons é o dom de pastor e de mestre. Nesse sentido, a liderança da igreja, seus presbíteros e pastores devem conduzir o povo em orações comunitárias de arrependimento e confissão.
É assim que iremos terminar nosso culto ao participarmos da Ceia do Senhor. Faremos confissões coletivas de pecado diante do Senhor, clamando para que Ele nos poupe do mal que vem sobre aqueles que estão em apatia espiritual.
Nosso arrependimento é possível porque Jesus já se doou por nós na cruz. Ele teve suas vestes rasgadas, elas foram sorteadas. Ao invés disso, Ele teve sua carne rasgada por nós. Rasgada por chicotes, por pregos cravados e por uma lança no seu lado. Jesus sofreu o juízo que merecíamos, para que pudéssemos experimentar a restauração. Assim, ao rasgarmos nosso coração, encontramos não condenação, mas a graça transformadora de Deus.
Graça e Paz,
Pr. Davi Ribeiro